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OPINIÃO

A mutação cara-pálida

Publicado

em

*Paulo Linhares

Ao menos pelo que foi popularizado a partir dos filmes de faroeste norte-americano, os colonizadores brancos eram chamados, em inglês macarrônico, pelas populações nativas de “paleface” que, numa tradução bem brasileira, redundou na expressão “cara-pálida”. Quem se lembra daquela frase desdenhosa e absenteísta “Nós, quem, cara-pálida?”, que teve origem em seriado do herói Lone Ranger, que, no Brasil, era conhecido como Zorro – por esconder a verdadeira identidade com uma máscara ocular –, ele um policial (ranger) sempre acompanhado de seu fiel e servil índio Tonto. Num desses filmes, Zorro e Tonto estavam encurralados por terríveis guerreiros Sioux, além de comanches, apaches e moicanos. Já sem munição, o branco Zorro exclama: “Nós estamos perdidos, Tonto”. Este, sem titubear, com aquele sotaque carregado e fazendo pose de índio, responde: “Nós, quem, cara-pálida?”

Essa história de cara-pálida é recordada aqui para ilustrar um fato curiosíssimo, que nem no velho Oeste norte-americano ocorreu: um índio se transformar em cara-pálida!

Aconteceu isso? Onde? Quando? Quem é o mutante cara-pálida? Calma, benévola leitora, amigo leitor, tudo ao seu tempo. A começar porque a última indagação merece resposta em primeiro lugar: o mutante a que nos referimos é nada mais nada menos do que o indefectível general Mourão, vice-presidente da República eleito com Jair Bolsonaro em 2018, gaúcho de Porto Alegre. Aconteceu mesmo: Mourão quando se candidatou a vice-presidente às eleições de 2018, declarou à Justiça Eleitoral que era “indígena” e incluiu o “general” no seu nome de candidato. Agora, quando registrou a sua candidatura ao Senado pelo Rio Grande do Sul, defendendo as cores do Republicanos, Mourão tirou o “general” do nome e, pasmem, disse ser de raça branca!

Em suma, no curto espaço de pouco mais de três anos, o “indígena” se transformou em “branco”, sim, cara-pálida Mourão. Será que foi a água de Brasília e a vida pacata da Granja do Torto? Ou foram as bordoadas (verbais) dos Bolsonaros?

Até mesmo por sua formação militar e pela alentada carreira que construiu, o general Mourão foi tido como uma linha dura do Exército brasileiro. Por isso, muitos não o imaginavam a bater continência para um simples capitão que, como por demais conhecido, foi para a reserva da mesma corporação, para não ter que suportar punição mais severa por graves violações aos estatutos militares.

Engano. Além de ser uma boa garantia para Bolsonaro, pois Mourão tem excelente imagem no meio castrense, passou a ser este um fiel escudeiro do presidente e, algumas vezes, até saco de pancada do desbocado Jair Messias e seus numerados filhos. Em mais de três anos de “convivência”, Bolsonaro sempre tratou o seu vice de maneira desairosa, com desdém e desconfiança. Mourão, ao revés, sempre avalizou todas as estultices paridas pelo PR (é assim que bolsonaristas de raiz chamam o chefe), numa gerando uma interminável sucessão de crises e vexames. Interessante que, em alguns casos, Mourão quis consertar ou atenuar algum impropério de Bolsonaro e apenas conseguiu piorar o que já estava muito ruim: suas emendas são, às vezes, bem piores do que os sonetos de pé quebrados de Jair.

Certo é que nada disso foi suficiente para mantê-lo na chapa de Bolsonaro, nas eleições de 2022. Bolsonaro sobre Mourão, em 2018: “Vice não apita nada, mas atrapalha muito”, pois “vice é igual a cunhado. Você casa e tem que aturar”. E Mourão foi definitivamente “caroneado” por seu colega general Braga Neto, que figura agora como vice na chapa de Bolsonaro. Eles que são brancos que resolvam. E que não venham com esbirros golpistas contra o processo eleitoral e seu desfecho neste 2022. Nada temos com isso. Afinal, “nós, quem, cara-pálida?”

  • Paulo Linhares é doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró.

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