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Publicitário cobra homenagem a mulher mossoroense que virou condessa na França depois de perseguida pelo regime militar em 1964

Antes de falecer, a neurocirurgiã Maria Laly Carneiro foi reconhecida como celebridade mundial e uma das mulheres mais importantes do Universo

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Fotos: Reprodução

Por Gilberto de Sousa

Ela nasceu no bairro Paredões em Mossoró, filha de José Benevides Carneiro e Luiza Amélia Gregório Carneiro. Aos cinco anos, a filha mais velha de 11 irmãos, junto com os pais e toda a família, saiu de Mossoró (RN) em um caminhão, junto com outras famílias pobres, em direção à Amazônia, onde o pai tinha a intenção de ser seringueiro. Entretanto, Laly adoeceu e a família teve que permanecer em Natal (RN). Anos mais tarde, seu irmão Osvaldo, conhecido pelo apelido de Piaba, foi destacado jogador de futebol do ABC.

Assim começa a saga de uma mulher mossoroense que seria uma das celebridades mais importantes do mundo, de perseguida pelo regime militar de 1964 à Condessa na França, cuja história é lembrada pelo publicitário e artista plástico Rogério Dias. Ele cobra das autoridades uma justa homenagem a essa destacada médica. Segundo Rogério Dias, um dos únicos registros do reconhecimento a Laly Carneiro, veio através do então reitor da UERN, Milton Marques(falecido), que a homenageou com o título Doutor Honoris Causa.

Em 2014, a médica recebeu homenagem da OAB-RN, onde proferiu palestras detalhando sua história de luta política na defesa da democracia.

Segundo um estudo realizado pela Dra. Adice Assi Meira Lima, médica ginecologista, a médica potiguar Maria Laly Carneiro, que morreu em 2016, aos 79 anos, em Paris, vivia na França desde 1966, para onde foi exilada. Lá, em 1967, casou com um conde francês e teve três filhos. Laly Carneiro era uma das mais conceituadas neurocirurgiãs da França e chegou a dirigir a Neurorreanimação do Hospital Sainte-Anne-Paris.

Laly fez o estudo primário na Escola Estadual Augusto Severo e o secundário no Colégio do Atheneu Norte- Riograndense. Em 1959, foi aprovada em concurso vestibular para ingresso na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 1960, era aprovada no vestibular para ingresso na Faculdade de Medicina da UFRN. Durante o tempo de graduação em medicina teve destacada atuação no movimento estudantil, na Juventude Universitária Católica, no programa “De pé no chão também se aprende a ler” e participou ativamente do “Movimento Ação Popular”, movimento feito este no Brasil inteiro com o intuito de realizar, através dos meios democráticos e regulamentares, reformas básicas, uma vez que o Brasil necessitava delas. Essas reformas eram universitárias, agrárias e outras tantas necessárias para que o país pudesse se desenvolver. O “Movimento Ação Popular” era formado por intelectuais, universitários, agricultores e operários de todo o Brasil.

Devido à sua militância política, Laly foi presa na primeira semana de junho de 1964. Foi a primeira mulher a ser presa por questões políticas na região nordeste pelo governo militar. Sua prisão ocorreu quando assistia aula na na Faculdade de Medicina, quando foi levada em um jipe com quatro homens armados, como ela mesma dizia, “sem palavras e sem violência”. Ficou presa no quartel do exército (16RI) em Natal, onde passou dois meses em uma cela pequena e insalubre que tinha sido o cativeiro do prefeito deposto Djalma Maranhão. Laly não foi torturada fisicamente nem violada. No entanto, ficou com o emocional destruído. Foi submetida a interrogatórios e exposta a execração pelas esposas de oficiais e até mesmo a simulação de um fuzilamento: em uma noite, foi levada ao pé de um morro, sozinha, e os militares e soldados se posicionaram , simulando que atirariam nela, numa tortura psicológica indescritível.

Laly Carneiro respondeu a três processos : um na universidade, outro no estado e o processo militar. O advogado Otto de Brito Guerra, que atuava como advogado de presos políticos na época, impetrou um Habeas Corpus para que ela fosse solta, concedido pelo Superior Tribunal Militar do Rio de Janeiro no dia 20 de julho de 1964, que a reintegrou e aposentou, uma vez que era funcionária do estado. Quanto ao processo da universidade, foi permitido a ela que terminasse o curso de Medicina. Mesmo em liberdade e terminando o curso, sofreu muito preconceito, chegando ao ponto de alguns professores dizerem que ela não lhes dirigissem a palavra. “Apenas os professores do departamento de Toco-ginecologia Lavoisier Maia e Leide Morais foram ao QG dizer o que pensavam de mim.”

Colou grau no curso médico em 10 de dezembro de 1965, e ao terminar o curso foi aprovada no concurso para Residência Médica na Clínica de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRN.

Em 1966, com a situação política instável, o ambiente hostil, com perseguições e prisões, Laly teve ajuda de entidades católicas e apoio do Professor Leide Morais para fugir para a França. Chegou em Paris em um dia chuvoso de inverno -era o seu exílio e uma nova história de vida estava apenas começando. Em Paris, tudo era diferente: o clima, o idioma e a maneira de viver. Ela precisou sozinha recomeçar tudo, inclusive o curso médico: fez novo vestibular, uma vez que o diploma brasileiro não era reconhecido pelas autoridades francesas. Em 1966, entrava para a Faculdade Paris-Sud, centro hospitalar universitário de Cochin Port-Royal. No ano de 1973, recebeu o diploma de especialização em Anestesia e Reanimação. Em 1976, com tese defendida neste centro, foi laureada pela faculdade com medalha de prata. Em 1967 conheceu o Conde Serge Meignhan, com quem veio a se casar, passando a ter o título de Condessa, e com quem teve três filhos: Laly Meignhan ( famosa atriz francesa), Vanessa e Felipe.

Em 1969 foi escolhida assistente substituta no Hospital Bicetre, na França, onde exerceu o cargo até 1973. Laly foi fundadora e chefe do Serviço de Anestesia e Reanimação do Centro Hospitalar Saint-Anne de 1975 até o ano de 2001. Foi condecorada com a cruz “ Pró Mérito Melitemi “ da ordem militar e hospitalar de Malta; com o mérito “ Professor Leide Morais”, conferida pelo Memorial de Medicina do RN; e com o título honorífico de Cidadã Natalense.

Membro do “Who is Who in the World” (Quem é quem no mundo); membro da Academia Mundial da Saúde e da Academia Européia de Anestesiologia. Foi membro ainda da Academia Européia de Anestesia; da Associação de Neuroanestesia-reanimação de Língua Francesa; da Sociedade Francesa de Anestesia, Analgesia e Reanimação; do Conselho de Administração da Associação Internacional de Anestesia-reanimação de Expressão Francesa; e Vice-presidente do Colégio Nacional dos Pacientes Hospitalares em regime de tempo integral dos hospitais não universitários da França. A médica foi considerada ainda médica expert em Anestesiologia pela diretoria de Farmácia e do Medicamento do Ministério da Saúde da França.

Laly Carneiro faleceu aos 79 anos em Paris, onde morava desde 1966, no dia 12 de julho de 2016, devido à complicações decorrentes do lúpus.
Segundo Rogério Dias, antes de falecer, Laly ainda foi reconhecida em um evento cientifico em new York, em que participaram cerca de 500 autoridades do mundo cientifico entre cientistas, sociólogos e filósofos que a reconheceram como uma das mulheres mais importantes do Universo. “ E essa mulher nasceu em Mossoró e nunca recebeu uma justa homenagem” , di Rogério.

Arte de Rogério Dias em homenagem a Laly Carneiro

Pequena cela insalubre e tortura psicológica

Reportagem publicada pela TRIBUNA DO NORTE em março de 2014 traz informações e trechos de depoimentos da médica sobre a prisão em 1964. A então aluna de Medicina da UFRN foi presa na faculdade e levada para o 16 RI, para a mesma cela “pequena e insalubre” que havia ficado Djalma Maranhão. “Fui levada como em guerra, num jipe com quatro homens armados, sem palavras e sem violência”, afirmou.

Laly ficou presa dois meses. Além de sessões contínuas de interrogatórios, ela era exposta a execração de esposas de oficiais e até a simulação de um fuzilamento. “Não fui torturada fisicamente, não me violaram, mas fizeram um estrago enorme internamente. Uma noite, me levaram ao pé do morro, sozinha, e soldados se posicionavam para atirar. Tive muito medo, mas era parte da tortura psicológica”, disse.

Em liberdade por um habeas corpus impetrado por Otto de Brito Guerra, sofreu com o preconceito para concluir a faculdade de Medicina, um ano depois, e seguir para a França. “Ficar em liberdade foi igualmente difícil. Muitos professores pediam para que eu não falassem com eles. Terminei o curso sob o menosprezo”, afirma.
A jornalista Cledivânia Pereira colheu depoimento de Laly, durante a homenagem de 2014, na OAB, em Natal, onde proferiu palestras detalhando sua história de luta política na defesa da democracia.

Trechos da palestra de Laly Carneiro (OAB-RN 2014)

Prisão

“Lutei pelo processo democrático por acreditar que todo cidadão merece a valorização do trabalho. Fiz parte do grupo de estudos Ação Popular em que a ideologia era a participação do homem em sua formação, mas, naquela época, isso significava ser comunista. Fui presa dentro da sala de aula, no curso de medicina, punida por querer mudar o sistema. Levaram-me para o 16 RI em Natal. Apenas os professores Lavosier e Leide Morais foram ao Quartel dizer o que pensavam de mim. Fui vítima de tortura moral, mas não física.”

Mulheres

“Na época, foi proposto meu encaminhamento de prisão para um convento, mas preferi ficar no 16 RI. Eram 400 homens e sem acomodações para mulher. Outras mulheres ficaram presas depois, como a secretária da campanha de pé no chão também se aprende a ler, Mailde Pinto, e a professora Diva Maria”.

UFRN

“Depois de presa, tive minha matrícula na Universidade Federal trancada. Não tive o apoio da minha instituição de ensino. Os professores não queriam falar comigo nas ruas. Sentia-me sozinha e marginalizada. Meu advogado Otto Guerra foi quem me fez voltar à faculdade, me apoiou e ajudou em uma fase importante da minha vida, sem ele eu não estaria aqui”.

Exílio

“Cheguei a Paris no inverno, em um dia de chuva. Foram muitas as restrições e terrorismo. Uma vez por semana os exilados se encontravam para saber notícias do Brasil. Chegava o número de mortos pela luta, mas não se sabia a veracidade das informações. Tínhamos a esperança de voltar para o nosso país. Na França, tive o apoio de amigos e de entidades religiosas”.

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